sexta-feira, janeiro 13, 2006

Uma aula!

Tenho um professor, ou melhor, um mestre, que acaba de fazer o seu Pós-Doutorado em Barcelona (Espanha). Não sei se devo dizer quem é... Afinal, ele não me autorizou... No entanto, enviou-me um e-mail que sinto-me na obrigação de partilhar convosco! Pelo menos, alguns trechos deste e-mail:
"Desse ano ficou muita coisa boa: novos contatos acadêmicos, que mostram não haver mais algumas fronteiras (embora tenha mostrado que outras são muito concretas); que o Brasil vai bem obrigado, na área acadêmica, quando se compara com alguns países do 1º mundo (Espanha, Itália... Ou será que esses países não são de 1º mundo?) - a Espanha sequer tem um órgão como a Capes, para avaliar a pós-graduação, é aquela bandalheira, cada professor orienta quantos alunos quer, se é que aquilo é orientação. O doutorado aqui quase sempre tem a intensidade do mestrado do Brasil, ainda bem que só vim fazer uma pesquisa, e retorno. Mas as bibliotecas são fantásticas, aiaiaiai!"
"Viver fora, mesmo que por apenas um ano, foi também a oportunidade de "espiar" outros hábitos, não como turista, ou como viajante ocasional de congressos desses em que a gente vai e não dá tempo de nada além de ver o aeroporto e o centro histórico de alguma cidade. É claro que sempre se fica na situação de estrangeiro. Alain Tourraine é que andou escrevendo: os acontecimentos da periferia de Paris são explicados não por condições miseráveis de vida, mas pelo sentimento agudo de não pertencimento àquela sociedade. E o sentir-se inserido socialmente é algo que custa - o ambiente universitário ajuda, mas a sociabilidade criada em um ano, e que evita centrar-se nos grupos de brasileiros que aqui vivem, é compreensivelmente limitada. O que se acentua quando o planeta vive em ritmo de circulação constante de pessoas, fluxos migratórios como talvez não se tenha visto na história recente. Vim pela primeira vez a Barcelona em 92, retornei à cidade pelo menos mais 3 vezes, a passeio ou para fazer contatos na UAB. Antes, a cidade tinha estrangeiros, agora, todos os estrangeiros são vistos como imigrantes. A imagem que boa parte dos catalães/espanhóis têm do estrangeiro é que se trata de um imigrante quase sempre ilegal, e que está a um passo da marginalidade, sempre. A menos que esteja dentro de um museu ou da Sagrada Família ou coisa do tipo, esse é o estrangeiro do bem; ou é alguém com grana, aí não é visto mais como imigrante: como se houvera um passe de mágica ele passa a estar integrado à socidade catalã. O Leonardo, um professor brasileiro na UAB, já é mais enfático: a condição essencial não é a de imigrante, mas a situação econômica que vai permitir ou não a esse estrangeiro ter acesso a certo status. De fato: o Raval é um bairro de imigrantes pobres e de espanhóis pobres. O que os reúne é a pobreza. Talvez para o espanhol pobre seja mais fácil ver como igual à sua a pobreza do imigrante, que para a classe média empobrecida reconhecer-se empobrecida ao ver os estudantes e pesquisadores latino-americanos que estão ali, misturados com os filhos na mesma escola, e trabalhando de garçons ou de faxineiros ou vendedores ou de carteiros e se chega a motorista já é elite. A mídia ajuda, é claro, com a divulgação sensacionalista da violência crescente associada a imigrantes. São gangues de jovens latino-americanos, são putas brasileiras, são asseclas da máfia russa. E vai ver, parte é mesmo, mas a maioria procura trabalho e melhorar sua vida. E se você quer emprego ser garçom, faxineiro, venha pra Espanha já. O espanhol médio prefere esperar até os 35 anos na casa dos pais, e se conseguir ainda lhes dá um pé na bunda, e tenta viver até o limite encostado nos seguros e auxílios sociais que a Espanha ainda garante aos espanhóis - com um sistema de Seguridade Social que é mantido em parte pelas contribuições dos imigrantes, é claro, que não terão direito a essas aposentadorias depois, também é mais do que claro. Como também se diz, o imigrante deixou de ser apenas o bandido que era com a extrema direita, para se tranformar no trabalhador desqualificado, no limpador de privada, com o socialista Zapatero. É isso aí, companheiro.

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