quarta-feira, agosto 24, 2011

Pouco mais de quinze dias após os distúrbios em Londres, a vida volta ao normal

Por Juliana Iorio
(texto protegido pelos direitos de autor)

Os distúrbios que tiveram início em Londres no último dia 6 de Agosto causaram estragos, não só físicos, mas também psicológicos aos habitantes daquele país.

A comunidade estrangeira que lá vive, e presenciou de perto alguns destes distúrbios, começam agora a ter a sua vida normalizada, mas os receios ainda são muitos.

A psicóloga venezuelana, Marian Pernía, vive em Tottenhan, local onde tudo começou, e disse que só após duas semanas desapareceu-lhe a angústia e conseguiu voltar a dormir e a começar levar uma vida normal.

Marian vive em Londres desde 2000 e presenciou quando um dos carros pertencentes ao corpo policial da esquadra de Tottenhan foi incendiado, dando início ao tumulto. Depois disso, contou que da janela do seu apartamento viu o prédio em frente também ser incendiado e que o seu prédio só não o foi, porque os moradores não abandonaram o edifício. “A experiência vivida manteve-me ansiosa durante dias. No dia seguinte via fumaça e chamas da minha janela e alguns vidros ainda estavam quentes”, referiu. “Não queria sair de casa porque as ruas estavam cheias de coisas queimadas, com cheiro a desastre… Parecia que tinha havido uma guerra”, enfatizou.

Para a psicóloga, grávida de 5 meses e com uma filha de um ano e meio, os traumas pós distúrbios e a dificuldade de voltar à rotina são normais, tendo em vista tudo pelo que passou. “Ainda que quisesse descansar, não conseguia, porque qualquer ruído me sobressaltava e me atemorizava”, explicou.

Marian sentiu que a polícia londrina não lhe podia proteger. Contou que o edifício anexo ao seu estava em construção e que um grupo de homens invadiu-o e apropriou-se de tudo que lá encontravam. “Alí eles buscavam tudo que necessitavam. Desde madeira para atear fogo no meio da rua, até tijolos para jogar contra os policiais”, relatou. A psicóloga disse que um helicóptero sobrevoava a área e que tentou chamar os bombeiros, mas estes disseram que não conseguiam chegar onde ela estava, porque o acesso estava bloqueado. Isto tudo reavivou-lhe traumas que, até então, estavam adormecidos. “Em minha mente vinham recordações do “Caracazo”, fenómeno social do meu país que, em Fevereiro de 1989, também provocou saques e roubos por toda a capital, Caracas”, relembrou. “Desta vez, em Londres, diante de outra realidade política e económica, o produto final foi o mesmo: a desigualdade social fez com que surgisse no inconsciente colectivo o desejo de revelar-se da pior maneira, ou seja, através da violência”, concluiu.


Antes: O dia 6 de Agosto na Zona 2 de Londres
Foto: Adriana Fregnan

Depois: O dia 22 de Agosto, na Zona 2 de Londres
Foto: Adriana Fregnan

A cleaner brasileira, Adriana Fregna, é outra estrangeira que vive em Londres há dois anos, acompanhou de perto o que aconteceu na chamada Zona 2 daquela cidade, e disse que agora as coisas começam a voltar a normalidade.

No dia 6 de Agosto, por volta das 5h00, comecei a escutar, da janela do meu quarto, gritos e pessoas correndo. Fui averiguar e eram pessoas comemorando, logo que quebravam e invadiam uma loja. Vinham correndo com muitas coisas nas mãos,” recordou. Após alguns minutos, apesar do foco de violência no seu bairro ter sido controlado, como as notícias continuavam a mostrar os tumultos, o medo já havia se instaurado. “Tive medo porque as casas aqui da minha rua não têm proteção”, confessou.

Adriana lembrou ainda que, no dia seguinte, o clima continuava tenso. Foi liberada mais cedo do trabalho, mas como os policiais na sua rua mandavam os comerciantes fecharem as portas, disse que sentiu ainda mais medo. “Não sabia se ia para a casa de amigos ou se ficava ali… mas, e os meus pertences?”, enfatizou. Nos dias que se seguiram, confessou que qualquer barulho era motivo para se assustar. “Eu chegava a acordar várias vezes durante a noite”, relembrou.

Muitos foram os lesados, inclusive uma familia que tinha um comércio de móveis há mais de 150 anos, o qual era sustento de mais de 50 familias, teve a sua loja totalmente destruída”, revelou.

Hoje está tudo mais calmo. As casas estão sendo reconstruídas, o comércio tem tomado as suas medidas e, com o tempo, esperamos que tudo volte ao normal. Mas, com certeza, quem perdeu o seu comércio, levará muito mais tempo para se recuperar deste trauma ”, finalizou.

Neste momento, segundo Adriana, não há indicíos de que isso volte a acontecer, mas as pessoas estão tendo mais prudência antes de sair de casa, e os comerciantes estão se protegendo muito mais.


Antes: O dia 6 de Agosto na Zona 2 de Londres
Foto: Adriana Fregnan
Depois: O dia 22 de Agosto, na Zona 2 de Londres
Foto: Adriana Fregnan

2 comentários:

Peregrino disse...

Eu sou parte da “comunidade estrangeira” que vive lá. Logo dos distúrbios há muitas perguntas mais poucas respostas. Uns falam que a causa é a desigualdade social, outros falam que é um assunto de degradação de valores éticos. Mais é uma temática complexa mesmo.
Para entender a complexidade da temática, nem os meios de comunicação concordam. Em tudo caso, achei muito útil ler o artigo da BBC The competing arguments used to explain the riots http://www.bbc.co.uk/news/magazine-14483149

Juliana Iorio disse...

Olá "Peregrino"!
Obrigada pelo seu comentário!
Pois é, o "porque" disso tudo ter acontecido, eu não sei. Só sei mesmo o que alguns estrangeiros que vivem lá me relataram. Hoje, um brasileiro que vive em Tottenhan me enviou um e-mail dizendo que "Eu não diria que fiquei traumatizado... Nós, brasileiros, não somos tão fáceis assim de sofrer traumas!" No entanto, a história dele, para mim, é traumática! Ele havia acabado de sair do hospital, devido a um problema nas pernas e pés, estava com as pernas enfaixadas, e no dia 6 de Agosto teve que ficar jogando água no telhado de casa para evitar que a mesma pegasse fogo. Além disso, na porta da frente da sua casa, disse que as pessoas queriam que ele saísse para invadí-la e roubar tudo o que tinha. Quando o pior passou, percebeu que havia ficado sem Internet e telefone. Disse que só hoje, 20 dias depois, a Internet e o telefone voltaram. Mas ainda não considera que a sua vida tenha voltado ao normal, pois a sua rua parece a de uma cidade em plena guerra. Teve que mudar a rotina porque não tem mais supermercado por perto e o "post office" vai ter que ser demolido. Enfim... as causas ainda estão sendo apuradas e os articulistas tentando perceber o que aconteceu. No entanto, as consequências estão aí, à vista de todos nós.
Um abraço!
Juliana Iorio