Pois bem. Isso obrigou-me a continuar a minha busca e, foi aí, que eu tive a indicação de uma empresa formada essencialmente por imigrantes brasileiros. A simplicidade do seu proprietário, aliada a uma demonstração sólida de conhecimento sobre o assunto, para além de um preço muito mais atrativo do que me havia sido dado pela empresa anterior, acabaram por me convencer. Sim, pode-se dizer que foi um tiro no escuro, mas também folgo em dizer que esse tiro não poderia ter sido mais certeiro!
Foto Katie Moum |
Depois de passar por isso (e enquanto investigadora em migrações), não consegui viver essa experiência sem prestar atenção nesse trabalhador imigrante. Durante quase três semanas, tive a oportunidade de conviver com cerca de 8 brasileiros dentro de casa, conheci histórias de vida, realizei observação participante, entrevistas não estruturadas, e tive a oportunidade de enriquecer, ainda mais, o meu conhecimento sobre migração.
A empreiteira que contratei existe há cerca de 10 anos, e o seu dono (que esteve quase todo o tempo trabalhando com os seus funcionários), é natural de Governador Valadares. Já havia tido uma experiência migratória anterior para os Estados Unidos, onde esteve durante 5 anos, até que em 2011, devido à crise que assolou aquele país, resolveu vir para Portugal. Segundo ele, naquela época, apesar de Portugal também vivenciar uma crise, a situação aqui era "muito melhor" do que lá. "Na época da crise, eu ganhei muito dinheiro aqui com pequenas obras, reformas. As pessoas não tinham dinheiro para construir, e por isso queriam melhorar aquilo que já tinham. Só que muitas empresas portuguesas não queriam fazer esse tipo de serviço", explicou. No entanto, como alguns parentes seus continuaram a viver nos Estados Unidos, hoje já pensa se não estaria na hora de para lá regressar. Disse que a construção civil naquele país voltou a precisar de mão-de-obra e a pagar muito bem por ela, e que em Portugal já se começa a sentir um arrefecimento neste sector.
Salientou, no entanto, que o principal problema que sente em Portugal é não ter sido pago por algumas obras que fez. Quanto maior a empreitada, mais difícil é receber por ela. Contou, inclusive, que já pensou em entrar com algumas ações na justiça para receber, mas que como trata-se de "peixes graúdos", teme perder ainda mais dinheiro e ficar tudo "em águas de bacalhau". Ou seja, apesar de estar legalizado em Portugal há quase 10 anos, tem receio de brigar na justiça pelos seus direitos contra um nacional. Ainda mais se esse nacional tiver algum poder. Além disso, a descrença na justiça que parece estar enraizada em muitos brasileiros, também pode ser responsável por fazê-lo pensar duas vezes antes de iniciar uma "briga".
Ainda assim, pode-se dizer que esse imigrante, empreendedor, e que tem dado muito trabalho para os seus conterrâneos, se tem safado em Portugal. Atualmente possui 21 empregados, a maioria brasileiros, trabalhando com ele. Muitos em regime de prestação de serviço (ou seja, trabalho precário, mas não mais precário do que o trabalho de muitos portugueses).
Assim, num dia, tive cerca de 8 brasileiros trabalhando dentro de casa. Saía o pedreiro (também proveniente de Governador Valadares), que está em Portugal há 3 anos, e entrava o pintor, que veio de Belo Horizonte há apenas um ano. Saía o ladrilhador, oriundo da Bahia, e que voltou para o Brasil no passado dia 9, e entrava o eletricista, ou o canalizador, ou o ajudante de pedreiro, todos de nacionalidade brasileira.
Eu, também brasileira, entre um cafezinho e outro, descobri que:
O que está em Portugal há 3 anos, deixou um filho no Brasil e nunca mais lá voltou. Veio para o Algarve, estimulado por um "amigo" que já lá se encontrava. Esse "amigo" prometeu-lhe um trabalho na restauração, e disse que ele poderia ficar em sua casa, desde que dividissem as despesas. O que se passou é que o trabalho não veio, o dinheiro que ele havia trazido do Brasil acabou, e ele acabou por ser "expulso" de casa porque não tinha mais dinheiro para dividir as despesas. Ou seja, é a eterna história do "amigo" que promete o "eldorado" e depois não tem como cumprir com o prometido… é a eterna história do "amigo" que precisa de alguém para dividir as despesas de casa, e se aproveita de uma situação de vulnerabilidade do outro para servir-se desse propósito, não se importando com o futuro do mesmo. Enfim… sem dinheiro, e sem lugar para morar, viu-se "obrigado" a trabalhar na apanha da laranja (muito comum no Algarve). Entretanto, lá contraiu uma doença, que até hoje não sabe ao certo o que foi, mas que o deixou internado durante 3 dias, e com "a sensação de que iria morrer". Quando saiu do hospital, decidiu vir para Lisboa, onde conheceu o dono dessa empreiteira, e com ele começou a trabalhar.
Já o que está aqui há um ano, ainda não está legalizado. Passa recibo verde e já tem uma advogada tratando-lhe da autorização de residência que, entretanto, "custa a sair". Disse que veio com a mulher porque a situação em Belo Horizonte estava muito ruim. Vieram totalmente no escuro, sem nada ao certo, e deram a "sorte" de encontrar trabalho logo. Disse que o maior desejo é ter logo a autorização de residência para poder voltar ao Brasil e comer "goiabada com queijo minas" (Não preciso nem dizer que quando ouvi isso fui logo abrir a goiabada que havia trazido do Brasil em Janeiro, e estava a espera de uma ocasião especial! Não há melhor ocasião do que partilhar aquilo que gostamos com quem sabe apreciar, não é mesmo?)
Por fim, o que já estava de regresso à Bahia, tem a mãe a viver em Portugal e costuma dividir-se entre um país e outro. No Brasil tem um salão de cabeleireiros, mas vem para cá quando precisa de dinheiro para comprar coisas para o salão. Tem a "sorte" da mãe já viver cá há muito anos, e por isso poder dividir-se entre ambos países, conforme as suas necessidades.
Foi, portanto, muito interessante descobrir que, apesar de nenhum deles ter trabalhado na construção civil antes de migrar, a qualidade do trabalho que realizam hoje não deixa nada a desejar para qualquer pedreiro, pintor ou ladrilhador experiente. E é aí que está a resposta à pergunta do título desse texto: Por que eu devo contratar um imigrante? Porque, sem generalizar, a necessidade costuma fazer com que ele se esforce muito mais do que qualquer outra pessoa. Ele se esforça porque precisa de dinheiro e não tem suporte familiar no país de destino. Ele se esforça porque quer juntar dinheiro para comprar alguma coisa no seu país de origem. Ele se esforça porque sabe que, para ser aceite, tem que provar que é tão bom, se não melhor, do que qualquer nacional. Ele se esforça porque quer ser aceite pela sociedade de acolhimento, quer ter direitos (para além de deveres), quer ter uma vida melhor do que a tinha em seu país de origem e, muitas vezes, porque aprende a valorizar pequenas coisas, como uma simples "goiabada com queijo minas".
É por isso que quando eu disse à minha irmã, que está no Brasil, que eles estavam a trabalhar inclusive aos sábados, até às 22h, ela ficou muito surpresa e disse: "Aqui eles não fazem isso!" Pois não… Se calhar por não se sentirem estimulados, por ganharem pouco, por não terem expectativas… Mas se você contratar um imigrante, talvez ele faça. Porque, em Portugal ou em qualquer parte do mundo, ser-se imigrante é ser-se esforçado, é ter que sair da zona de conforto, é não ter nada como garantido, e é ter que provar, o tempo todo, que se tem valor.
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