domingo, maio 19, 2019

A questão não é falta de liberdade de imprensa, mas o que os jornalistas fazem quando têm essa liberdade

Sob o tema "Democracia e Liberdade de Imprensa", a revista portuguesa "Sábado", completou no passado dia 15 de Maio, 15 anos de existência. Apesar das discussões acerca deste tema já estarem mais do que batidas, como parece que até hoje existe uma certa dificuldade dos órgãos de comunicação social manterem a sua liberdade, mesmo em países democráticos, tenho que concordar que falar sobre esse assunto continua a ser pertinente.

Sofia Colares Alves - Representante da Comissão Europeia em Portugal, João Miguel Tavares - Jornalista, 
Francisco Teixeira da Mota - Advogado e Vladimir Netto - Jornalista

Não gosto muito de conferências que não dão voz à plateia, mas como eram muitos oradores, e todos eles muito bons, conseguiu-se um debate interessante. No entanto, no dia seguinte, todos os jornais portugueses, inclusive a Revista Sábado, resumiram o evento a uma única frase, proferida pelo Presidente da República em Portugal, Marcelo Rebelo de Souza, orador convidado para a abertura do evento: "Sem comunicação forte, não há democracia forte". Ok! Essa até pode ser uma frase de impacto, que justifique a manchete de todos os órgãos de comunicação (apesar de eu achar que toda a pessoa, com um bocado de inteligência, já sabe disso… ou seja, todo mundo que vive em democracia sabe que, faz parte da ordem democrática que tudo e todos sejam escrutinados no domínio público, certo?). No entanto, tanta coisa mais importante foi debatida neste evento e deixada para trás pelos órgãos de comunicação… o estrangulamento económico que as empresas jornalísticas estão a sofrer, o risco de sobreviverem somente as empresas mais fortes e voluntaristas, o combate às censuras veladas, como se defender de abusos, garantir a isenção e fomentar a leitura, enfim… como os escrutinados, mesmo não concordando com o que dizem deles, devem sempre usufruírem dos seus direitos de resposta.

O Presidente da República em Portugal, Marcelo Rebelo de Sousa

Aliás, "a quebra da leitura em Portugal" foi, por exemplo, um dos pontos salientados pelo Presidente da República, nada explorado pelos órgãos de comunicação, apesar de eu achar que você,
que chegou até aqui, deve ser um dos poucos que ainda continuam a ler, não só em Portugal, mas em qualquer parte do mundo! Ou seja, estamos, também na comunicação (no artigo anterior referi a mesma coisa em relação à educação), atravessando um período de mudança de paradigma.

Como referiu Edwy Plenel, fundador da Mediapart (uma espécie de laboratório colaborativo que hoje se mantém somente com a receita obtida com os seus assinantes), "criou-se um monstro com a gratuidade das notícias via Net, tendo-se como fonte de rendimento somente as publicidades". Este foi um erro histórico pois, PARA FAZER UM JORNAL DE QUALIDADE É PRECISO PAGAR PESSOAS DE QUALIDADE (como se diz em Portugal, não é possível fazer omelete sem ovos!) Logo, se depois esse conteúdo é colocado gratuitamente na Internet, e as publicidades não são suficientes para custearem o trabalho do jornalista, quem o irá pagar?

Edwy Plenel

Por isso, a crise dos media de hoje, para além de ser fruto de problemas relacionados com a produção de conteúdo (pois hoje há uma "nova" figura no jornalismo, que não é jornalista, mas se mistura com este nos meios digitais, disseminando sobretudo convicções e não informação útil), também é fruto de problemas advindos da distribuição (cada vez mais rápida e com um maior alcance) de toda essa panóplia de conteúdo. (Até aqui, nada de muito novo).

Vladimir Netto
Mas foi a partir daqui que, para mim, começou o ponto alto deste evento, em nada explorado posteriormente pela comunicação social: A participação do jornalista brasileiro Vladimir Netto, autor do livro LAVA JATO, que inspirou a série da Netflix "O mecanismo". Confesso que não li o livro, mas quem o leu refere que, apesar do mesmo ser baseado em factos verificados e comprovados, há uma determinada altura em que o jornalista se confunde com um romancista, e é aí que fica evidente a opinião do autor (coisa que um jornalista deveria tentar não facultar - e digo tentar porque não acredito em imparcialidade total no jornalismo, pois a simples forma como este enxerga um acontecimento denota certa parcialidade).

Pois bem, mas neste contexto, achei interessante Vladimir Netto ter referido que no final do governo Dilma, ou melhor, quando se iniciou a operação Lava Jato, havia uma liberdade de imprensa total, e o acesso aos documentos do processo totalmente liberado para os jornalistas (coisa que, também de acordo com o mesmo, hoje em dia está muito diferente). Ora, isto me fez pensar que o problema pode não estar na falta de liberdade de imprensa ou acesso à informação, mas na capacidade do jornalista indagar: Por que eu tive, ou me deram, tanta liberdade? Por que eu tive, ou me deram,  acesso à essa informação? Qual é o interesse por trás daqueles que me facultaram essas informações?
Será que ninguém se lembrou de perguntar (e é por isso que eu não gosto de conferências sem a participação do público) se Vladimir Netto não achou no mínimo estranho toda essa facilidade com que os órgãos de comunicação tiveram acesso aos documentos da Lava Jato? 

Eu sei que a primeira temporada de "O mecanismo" (essa eu vi) mostra o juiz Sérgio Moro apenas como um vaidoso, que de tudo fez para progredir na carreira (se considerarmos onde ele está hoje, essa ideia não é de todo absurda). No entanto, naquela altura, nenhum jornalista desconfiou que tudo o que ele estava fazendo poderia não ser somente por "sede de justiça"? 
Será que ninguém desconfiou que poderia haver outras intenções na Lava Jato, e sobretudo na prisão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que não se prendiam única e exclusivamente com a "benevolência" ou vaidade desse juiz? Enfim… achei no mínimo naif essa visão romanceada de todo o processo da Lava Jato (mas isso é a minha opinião, porque isso é um artigo de opinião).

Não contesto o jornalismo que Vladimir Netto fez (e faz), mas sim a ingenuidade de não ter percebido porque a imprensa teve um acesso tão facilitado às informações deste processo naquela época, se hoje, como ele mesmo referiu, o atual governo "tem restringido o trabalho da imprensa", afirmando mesmo que "há um esforço em descredibilizar a imprensa brasileira".

O facto é que, em 2018, foram contabilizados 156 casos de violência contra jornalistas no Brasil, sendo 85 ataques por meios digitais (a maioria à blogueiros), e 4 deles terminando mesmo em assassinato. Existe, nas palavras de Vladimir Netto, uma prática de ataque à imprensa nunca vista antes. "Na reta final da campanha eleitoral de 2018 a imprensa era atacada uma média de 10 vezes por semana, segundo um levantamento do jornal Folha de São Paulo", completou.

A estratégia do atual governo é, portanto, taxar de verdadeiras notícias falsas (e aqui não confundir erro jornalístico, que as vezes pode acontecer, com notícias produzidas com má fé, para desinformar a população), utilizando um verdadeiro "exército" para repercutí-las, sobretudo através das redes sociais e aplicativos de mensagens instantâneas.

Apesar de todas as iniciativas que têm sido feitas para combater as fake news, como a criação de diversas agências de checagem (e aqui quem quiser poderá utilizar essas ferramentas para checar as informações que são disseminadas: Aos Fatos, Lupa, Projeto Comprova, Fato ou Fake, Estadão Verifica, Folha Informações) as pessoas precisam entender que "o produto do jornalismo não é mais 
a informação, mas sim a credibilidade da mesma", salientou Vladimir Netto, citando Jorge Furtado em 9 de Agosto de 2014. Daí a importância de todos, antes de compartilharem uma notícia, procurarem saber a sua fonte, ou seja, como a mesma foi feita? Qual a credibilidade de quem a produziu? Nos dias que correm, conhecer o processo de produção das notícias nunca foi tão importante!

Deixo-vos, aqui, o link de um programa que assisti hoje, na SIC Radical, que exemplifica muito bem "Como Isto Anda", no jornalismo.

Sem comentários: